sexta-feira, 9 de julho de 2010

Iniciação...

Antologia poética (6)...

Não cobiço nem disputo os teus olhos
não estou sequer à espera que me deixes ver através dos teus olhos
nem sei tão pouco se quero ver o que vêem e do modo como vêem os teus olhos
Nada do que possas ver me levará a ver e a pensar contigo
se eu não for capaz de aprender a ver pelos meus olhos e a pensar comigo
Não me digas como se caminha e por onde é o caminho
deixa-me simplesmente acompanhar-te quando eu quiser
Se o caminho dos teus passos estiver iluminado
pela mais cintilante das estrelas que espreitam as noites e os dias
mesmo que tu me percas e eu te perca
algures na caminhada certamente nos reencontraremos
Não me expliques como deverei ser
quando um dia as circunstâncias quiserem que eu me encontre
no espaço e no tempo de condições que tu entendes e dominas
Semeia-te como és e oferece-te simplesmente à colheita de todas as horas
Não me prendas as mãos
não faças delas instrumento dócil de inspirações que ainda não vivi
Deixa-me arriscar o barro talvez impróprio
na oficina onde ganham forma e paixão todos os sonhos que antecipam o futuro
E não me obrigues a ler os livros que eu ainda não adivinhei
nem queiras que eu saiba o que ainda não sou capaz de interrogar
Protege-me das incursões obrigatórias que sufocam o prazer da descoberta
e com o silêncio (intimamente sábio) das tuas palavras e dos teus gestos
ajuda-me serenamente a ler e a escrever a minha própria vida.

Ademar
Junho.2000

publicado em Descansando do Futuro (Reserva de Intimidade), Asa, 2003


Antología poética (6)...

Iniciación...

No codicio ni disputo tus ojos
no estoy siquiera esperando que me dejes ver a través de tus ojos
ni sé tampoco si quiero ver qué ven y cómo ven tus ojos
Nada de lo que puedas ver me llevará a ver y a pensar contigo
si no no soy capaz de aprender a ver por mis ojos y a pensar conmigo
No me digas cómo se camina y por dónde es el camino
déjame simplemente acompañarte cuando yo quiera
Si el camino de tus pasos está iluminado
por la más resplandeciente de las estrellas que observan las noches y los días
aunque que tú me pierdas y yo te pierda
en algún lugar de la caminata con seguridad nos reencontraremos
No me expliques cómo deberé ser
cuando un día las circunstancias quieran que yo me encuentre
en el espacio y en el tiempo de condiciones que tú entiendes y dominas
Siémbrate como eres y ofrécete simplemente a la cosecha de todas las horas
No me ates las manos
no hagas de ellas instrumento dócil de inspiraciones que aún no he vivido
Déjame arriesgar el barro tal vez impropio
en el taller donde cobran forma y pasión todos los sueños que anticipan el futuro
Y no me obligues a leer os libros que yo aún no he adivinado
ni quieras que sepa lo que aún no soy capaz de interrogar
Prótegeme de las incursiones obligatorias que ahogan el placer del descubrimiento
y con el silencio (íntimamente sabio) de tus palabras y de tus gestos
ayúdame serenamente a leer y a escribir mi propia vida.

publicado en Descansando do Futuro (Reserva de Intimidade), Asa, 2003

3 comentários:

Alexandre de Castro disse...

Sun Iou Miou:
Desconhecia por completo este blogue. Foi uma brilhante ideia, que vem possibilitar a abertura de horizontes, para além da fronteira da língua portuguesa, à poesia do Ademar.
É a melhor forma de homenagear o grande poeta.
Um abraço de parabéns,
Alexandre

Sun Iou Miou disse...

Obrigada, Alexandre. Embora isto seja mais um exercício egoísta e a única maneira em que posso pagar uma dívida.

María

Maria José Meireles disse...

Certos egoísmos são muito nobres...