terça-feira, 23 de agosto de 2011

Improviso para dizer de marinheiro...

Nunca percebeste por que tantas harpas
conspiram o mar
e por que tantas vozes o desafiam
digo-te apenas o que sei
o mar é o que sobra de mais distante
dos olhos que mendigam horizontes
toda a poesia cabe nele
e toda a literatura que não cabe na poesia
o mar tem um palco dentro
que cumpre dançar
depois da vida.

Ademar
20.05.2008


Improvisación para dicho de marinero...

Nunca entendiste por qué tantas arpas
traman el mar
y por qué tantas voces lo desafían
te digo solamente lo que sé
el mar es lo que queda de más distante
de los ojos que mendigan horizontes
toda la poesía cabe en él
y toda la literatura que no cabe en la poesía
el mar tiene un escenario dentro
que es necesario bailar
después de la vida.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Improviso atómico...

No parque das monções
nunca descures a orientação do vento
não me peças que explique
o sentido destes versos
nunca peças aliás o bilhete de identidade
ou o passaporte
à mulher ou ao homem que te bata à porta
numa noite de insónias
recorda-te sempre
que nada existe para fazer sentido
senão para os controladores do tráfego aéreo
e os moralistas
não mordas a língua quando beijes
o átomo do desejo
aponta a objectiva do telemóvel e fotografa-o
para o álbum da primavera
que não mostrarás a ninguém
digo-te
escreves de mais
ou
vives de menos.

Ademar
19.05.2008


Improvisación atómica...

En el parque de los monzones
nunca descuides la orientación del viento
no me pidas que explique
el sentido de estos versos
nunca pidas por cierto el carné de identidad
o el pasaporte
a la mujer o al hombre que llame a tu puerta
en una noche de insomnio
recuerda siempre
que nada existe para que tenga sentido
sino para los controladores del tráfico aéreo
y los moralistas
no te muerdas la lengua cuando beses
el átomo del deseo
apunta al objetivo del móbil y fotografíalo
para el álbum de la primavera
que no le enseñarás a nadie
te digo
escribes de más
o
vives de menos.

domingo, 21 de agosto de 2011

Improviso por débito da lua...

Esse barco já estranha
a superfície temperada das águas
e quase tranquila
como se as raízes do casco
já não fossem outras
que as dos próprios olhos que o navegam
esse barco dentro
tem um caudal íntimo de temores e pressentimentos
marés que não dormem.

Ademar
18.05.2008


Improvisación por débito de la luna...

Ese barco ya extraña
la superficie templada de las aguas
y casi tranquila
como si las raíces del casco
ya no fueran otras
que las de los mismísimos ojos que lo navegan
ese barco dentro
tiene un caudal íntimo de temores y presentimientos
mareas que no duermen.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Improviso sobre raízes...

Envelheci as verdades
que me enjaularam
somei ignorâncias
em vez de varandas
ou janelas
agora tenho pontes nos olhos
suspensas sobre nenhuma margem
de mim
e o sol é uma árvore intocável
em que me arrefeço.

Ademar
17.05.2008


Improvisación sobre raíces...

He envejecido las verdades
que me enjaularon
he sumado ignorancias
en vez de balcones
o ventanas
ahora tengo puentes en los ojos
suspendidos sobre ninguna orilla
de mí
y el sol es un árbol intocable
en el que me enfrío.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Improviso para morrer cientificamente...

Um segundo antes
de asfixiar
ainda respirava e escrevia
entre a vida e o que sobra dela
a fronteira é um tempo imaginário
que nenhum cronómetro suspende
dois segundos apenas
e entre um e outro
exactamente
o ponteiro da eternidade.

Ademar
16.05.2008


Improvisación para morir científicamente...

Un segundo antes
de asfixiarse
todavía respiraba y escribía
entre la vida y lo que resta de ella
la frontera es un tiempo imaginario
que ningún cronómetro suspende
dos segundos solo
y entre el uno y el otro
exactamente
la manecilla de la eternidad.

Improviso gregoriano...

Os meus deuses têm a profundidade de entendimento
de todas as crianças que se recusam a crescer
são deuses baratos
não fazem milagres
nem cobiçam rebanhos
os meus deuses odeiam altares e sacerdotes
e igrejas onde não ressoe o gregoriano
esse convite intemporal à luxúria
os meus deuses gostam de se tocar
e não se lhes embaraça o prazer nem o pudor
na estética ritual do swing
lêem Caeiro em vez de jornais ou revistas
e vício por vício preferem a pornografia à idolatria
os meus deuses serão tão absurdos
quanto os vossos
mas não têm pressa
porque sempre souberam
que morrerão comigo.

Ademar
15.05.2008


Improvisación gregoriana...

Mis dioses tienen la profundidad de entendimiento
de todos los niños que se niegan a crecer
son dioses baratos
no hacen milagros
ni codician rebaños
mis dioses odian altares y sacerdotes
e iglesias en donde no resuene el gregoriano
ese convite intemporal a la lujuria
a mis dioses les gusta tocarse
y no los azora el placer ni el pudor
en la estética ritual del swing
leen a Caeiro en vez de diarios o revistas
y vicio por vicio prefieren la pornografía a la idolatría
mis dioses serán tan absurdos
como los vuestros
pero no tienen prisa
porque han sabido siempre
que morirán conmigo.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Improviso para saudar o Esteves...

Há quem viva de ler as mãos
e quase sempre se perca em todas
como se nenhum destino
tivesse livros para contar
ou o silêncio inverso
podia começar assim uma história
de infortúnio profissional
no preciso instante em que a noite se despisse
e todos os livros já se tivessem deitado
e adormecido
para não acordarem mais
que fadas diz-me
serviriam então a madrugada
ao balcão da pastelaria?

Ademar
14.05.2008


Improvisación para saludar a Esteves...

Hay quien vive de leer las manos
y casi siempre se pierde en todas
como si ningún destino
tuviera libros para contar
o el silencio inverso
podría empezar así una historia
de infortunio profesional
en el preciso instante en el que la noche se desnudara
y todos los libros ya se hubieran acostado
y dormido
para no despertarse nunca más
¿qué hadas dime
servirían entonces la madrugada
en el mostrador de la pastelería?

Improviso para auto-retrato...

Sou do género compulsivo
torturo as palavras
até que elas digam exactamente o que eu quero
e não me canso nunca
de ouvir o mesmo concerto
a mesma ária
a mesma canção
ou de ler o mesmo autor
ou de ver o mesmo filme
ou a mesma árvore
sinto como imperativo categórico
que devo à beleza em que caibo
essa fidelíssima conformidade
que resiste a todas as modas e tentações
e entendo-me melhor com as pessoas
que não correm atrás do que será
porque são felizes assim.

Ademar
13.05.2008


Improvisación para autorretrato...

Soy de tipo compulsivo
torturo las palabras
hasta que digan exactamente lo que quiero
y no me canso nunca
de oír el mismo concierto
la misma aria
la misma canção
o de ler al mismo autor
o de ver la mismo película
o el mismo árbol
siento como imperativo categórico
que le debo a la belleza en la que quepo
esa fidelísima conformidad
que resiste a todas las modas y tentaciones
y me entiendo mejor con las personas
que no van corriendo tras lo que será
porque son felices así.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Improviso futurista...

Ibéria
nove de dezembro de dois mil e noventa e dois
faço hoje anos
cento e quarenta
tenho dezasseis carcinomas
dois desfibriladores internos
um pulmão e dois olhos artificiais
que não vêem por mim
e já perdi a conta às próteses e ortóteses
ontem
pela décima terceira vez
nos últimos trinta anos
pedi ao governador regional de saúde
autorização para morrer
pedido automaticamente indeferido
ao abrigo do artigo décimo sexto número dois
da Directiva de Sobrevivência Europeia
o cansaço não é motivo atendível
um amigo sugere-me em alternativa
que cancele electronicamente todos os seguros de saúde
ou tente sair do hospital pela janela
nem sequer lhe ocorreu
que já não tenho pernas.

Ademar
12.05.2008


Improvisación futurista...

Iberia
nueve de diciembre de dos mil noventa y dos
cumplo hoy años
ciento cuarenta
tengo dieciséis carcinomas
dos desfibriladores internos
un pulmón y dos ojos artificiales
que no ven por mí
y ya he perdido la cuenta de las prótesis y ortótesis
ayer
por décima tercera vez
en los últimos treinta años
le he pedido al gobernador regional de salud
autorización para morirme
pedido automáticamente desestimado
al abrigo del artículo décimo sexto número dos
de la Directiva de Supervivencia Europea
el cansancio no es motivo fundamentado
un amigo me sugiere como alternativa
que cancele electrónicamente todos los seguros de salud
o intente salir del hospital por la ventana
ni siquiera se la ha ocurrido
que ya no tengo piernas.

Improviso para dizer simplesmente que sei...

Não ofuscas nem arranhas nos olhos
e se bem me lembro
nunca me fizeste uma pergunta
nem um pedido
nem uma promessa
há pessoas que se pesam tanto a si próprias
que até parecem levitar entre as estrelas
nada em ti é falso ou redundante
ou postiço
cabes sempre nas palavras que dizes
e poupas nos gestos
para que nenhum te atraiçoe
há quem não entenda o rigor da integridade
ignorando que não é outra coisa
honestidade.

Ademar
11.05.2008


Improvisación para decir simplemente que lo sé...

No ofuscas ni arañas en los ojos
y si mal no recuerdo
nunca me has hecho una pregunta
ni una petición
ni una promesa
hay personas que se pesan tanto a sí mismas
que hasta parecen levitar entre las estrellas
nada en ti es falso o redundante
o postizo
cabes siempre en las palabras que dices
y ahorras en los gestos
para que ninguno te traicione
hay quien no entiende el rigor de la integridad
ignorando que no es otra cosa
honestidad.

domingo, 14 de agosto de 2011

Improviso a destempo...

Por vezes
esqueço-me da alma
no cinzeiro
e fumo a tua ausência
até ao filtro
como se estas noites fossem
irrespiráveis
não me perdoo a distracção
dos mastros e das bandeiras
quando viajo
no sentido contrário
dos ponteiros do teu tempo.

Ademar
10.05.2008


Improvisación a destiempo...

A veces
se me olvida el alma
en el cenicero
y me fumo tu ausencia
hasta el filtro
como si estas noches fueran
irrespirables
no me perdono la distracción
de los mástiles y banderas
cuando viajo
en sentido contrario
a de las agujas de tu tiempo.

sábado, 13 de agosto de 2011

Improviso quase genealógico com endereço...

Obra pai
obra filho
obra mãe
obra filha
obra tio
obra tia
obra sobrinho
obra sobrinha
obra homem
obra mulher
obra irmã
obra irmão
obra amigo
obra amiga
obra primo
obra prima
obra-prima.

Ademar
10.05.2008


Improvisación casi genealógica con destinatario...

Obra padre
obra hijo
obra madre
obra hija
obra tío
obra tía
obra sobrino
obra sobrina
obra marido
obra mujer
obra hermana
obra hermano
obra amigo
obra amiga
obra primo
obra prima
obra-prima.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Improviso em forma de inibição...

Desfolho o álbum das fotografias
trocadas
em busca de alguma em que estejas
como nunca te viste
se bem te recordas
já desfolhei muitas vezes
este mesmo álbum
e nunca te encontrei
e nenhuma culpa caberia
nas palavras com que dissesses
tamanha ausência
ou esquecimento
já fechaste tantas vezes os olhos
à indelicadeza da memória
que nenhum sorriso
poderia emoldurar agora o teu pudor.

Ademar
09.05.2008


Improvisación en forma de inhibición...

Deshojo el álbum de las fotografías
cambiadas
en busca de alguna en la que estés
como nunca te has visto
recordarás
ya he deshojado muchas veces
este mismo álbum
y nunca te he encontrado
y ninguna culpa cabría
en las palabras con las que explicases
tamaña ausencia
u olvido
ya has cerrado tantas veces los ojos
a la indelicadeza de la memoria
que ninguna sonrisa
podría enmarcar ahora tu pudor.

Improviso em forma de evidência...

Ninguém entende
por que estou sempre tão atento
no chão que piso
às marcas dos meus próprios passos
é apenas porque não quero
ir demasiado depressa
ou devagar
em relação ao que fui
ou ao que serei
ninguém caminha seguro
sobre pés que não caibam
no destino da viagem.

Ademar
08.05.2008


Improvisación en forma de evidencia...

Nadie entiende
por qué estoy siempre tan atento
en el suelo que piso
a las huellas de mis propios pasos
es solo porque no quiero
ir demasiado deprisa
o despacio
en relación a lo que fui
o a lo que seré
nadie camina seguro
sobre pies que no quepan
en el destino del viaje.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Improviso estremunhado...

A telefonia garante
que não chove
em Portugal
a televisão confirma
que não chove
em Portugal
subo a persiana
da janela mais próxima
espreito
e vejo chover
Portugal
finalmente
já não mora aqui.

Ademar
08.05.2008


Improvisación desperezada...

La radio asegura
que no llueve
en Portugal
la televisión confirma
que no llueve
en Portugal
subo la persiana
de la ventana más próxima
miro
y veo llover
Portugal
por fin
ya no vive aquí.

Improviso para cumprir uma promessa...

Escreveste sobre o Sena
ou seria Veneza
amanhã acaba um amor de imitação
ele imitou o meu
e a partir daí
embrulhámo-nos num verdadeiro jogo de espelhos
e eu disse-te
talvez mais logo ou um dia
escreva sobre esse amor
que começa ou acaba assim
acrescentaste
recuperei agora uns pedaços do meu espelho original
e ando a refazer-me
e eu disse-te
o espelho da gente
nunca é inteiramente da gente
mas uma colagem de pedaços
de todos os espelhos que fomos quebrando
dentro de nós
amanhã
informaste
trocaremos pertences
confesso que comecei por ler
presentes
c’est la vie.

Ademar
07.05.2008


Improvisación para cumplir una promesa...

Escribiste sobre el Sena
o sería Venecia
mañana acaba un amor de imitación
él imitó el mío
y a partir de ahí
nos envolvimos en un verdadero juego de espejos
y yo te dije
tal vez más tarde o algún día
escriba sobre ese amor
que empieza o acaba así
añadiste
he recuperado ahora unos trozos de mi espejo original
y ando rehaciéndome
y yo te dije
el espejo de uno
nunca es por entero de uno
sino un colage de trozos
de todos los espejos que hemos ido rompiendo
dentro de nosotros
mañana
informaste
intercambiaremos pertenencias
confieso que he empezado por leer
presentes
c’est la vie.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Improviso para distrair talvez a norma...

Nunca aprendi a escrever
poemas perfeitos
reprovei senhora
em todos os exames
na escola da crítica
sofro agora com as doenças
e as rugas das palavras
como se envelhecesse com elas.

Ademar
06.05.2008


Improvisación para despistar tal vez la norma...

No he aprendido a escribir
poemas perfectos
suspendí señora
en todos los exámenes
en la escuela de la crítica
sufro ahora con los males
y las arrugas de las palabras
como si envejeciera con ellas.

Improviso sem malícia...

Já não ganho a vida a corrê-la
estou reformado das pistas
e dos cronómetros
não ouço tão pouco Bob Dylan
por causa das cãibras
o coração já não aguenta tudo
senhora
nem a hora do fecho da edição
quando a edição fechava ainda na Duque de Palmela
lamento que este não seja
o estado do mundo
mas apenas
o estado do mundo em que me observo
quando desleixo a crítica
do que ainda escreverei.

Ademar
05.05.2008


Improvisación sin malicia...

Ya no me gano la vida corriéndola
me he jubilado de las pistas
y de los cronómetros
no oigo tampoco a Bob Dylan
a causa de los calambres
el corazón ya no lo aguanta todo
señora
ni la hora de cierre de la edición
cuando la edición se cerraba aún en Duque de Palmela
lamento que este no sea
el estado del mundo
sino solo
el estado del mundo en el que me observo
cuando descuido la crítica
de lo que aún escribiré.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Improviso para outras cordas...

A quem me pede
índices
apenas concedo
quando respondo
notas de rodapé
nunca aprendi a ordenar a vida
retroactivamente
nenhum passado reconhece
o que serei.

Ademar
04.05.2008


Improvisación para otras cuerdas...

A quien me pide
índices
solo le concedo
cuando respondo
notas al pie
no he aprendido a ordenar la vida
retroactivamente
ningún pasado reconoce
lo que seré.

Improviso para servir de mastro...

No bairro em que vivo
todas as casas dão luz e estão completas
não falto em nenhuma
nem mesmo na tua
ainda assim
sairia à rua nesta noite
se alguma bandeira hasteasse
a lua de uma janela que se abrisse
para mim
mas nada
nada do que eu pudesse escrever
alteraria o curso do vento e das marés
neste cais de que não parte
um único barco sem destino certo
a bandeira agora sou eu
e nenhuma lua ilumina
a casa ainda mais distante
que naufraga no poema.

Ademar
03.05.2008


Improvisación para servir de mástil...

En el barrio en el que vivo
todas las casas dan luz y están completas
no falto en ninguna
ni siquiera en la tuya
aún así
saldría a la calle esta noche
si alguna bandera enarbolara
la luna de una ventana que se abriera
para mí
nada más
nada de lo que yo pudiera escribir
alteraría el curso del viento y de las mareas
en este muelle del que no zarpa
un único barco sin destino seguro
la bandera ahora soy yo
y ninguna luna ilumina
la casa todavía más distante
que naufraga en el poema.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Improviso para lamuriar...

Quanto mais me instalo na prosa
menos se me vêem as cuecas
quem escreve assim
tão pouco poeticamente
não faz jus à imortalidade
para adoçar a crítica
amanhã direi simplesmente
que descuidei a higiene das metáforas.

Ademar
02.05.2008


Improvisación para quejumbrar...

Cuanto más me instalo en la prosa
menos se me ven los calzoncillos
quien escribe así
tan poco poéticamente
no hace honor a la imortalidad
para endulzar la crítica
mañana diré simplemente
que descuidé la higiene de las metáforas.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Improviso em forma quase de editorial...

Duas pedras
uma em cada mão
nenhuma luz ou sombra
a servir de alvo ou objecto
nenhum altar
nenhum deus
o puro desconsolo da ira
que te impele em direcção a um espelho
vazio
as ruas agora desabitadas
os sinos pesam como terra molhada
e já ninguém consegue tocá-los
há multidões que ainda choram uma criança desaparecida
diante da tela estreita de todas as noites
como se o universo coubesse todo
em Hitchcock
há multidões que tentam descer à cave
dos satélites
para disparar sobre o monstro
enquanto o presidente garante
civilização
há multidões que querem saber de tudo
e de nada
nessa indiferença assassina
entre a mesa e a cama
em que se deita o cansaço de todas as vidas
e há multidões refasteladas na espreguiçadeira do tédio
esperando apenas a tragédia
da próxima edição.

Ademar
01.05.2008


Improvisación en forma casi de editorial...

Dos piedras
una en cada mano
ninguna luz o sombra
que sirva de blanco u objeto
ningún altar
ningún dios
el puro desconsuelo de la ira
que te impulsa en dirección a un espejo
vacío
las calles ahora deshabitadas
las campanas pesan como tierra mojada
y ya nadie es capaz de tocarlas
hay multitudes que aún lloran a un niño desaparecido
ante la pantalla estrecha de todas las noches
como si el universo cupiera todo
en Hitchcock
hay multitudes que intentan bajar al sótano
de los satélites
para disparar sobre el monstruo
mientras el presidente garantiza
civilización
hay multitudes que quieren saber de todo
y de nada
en esa indiferencia asesina
entre la mesa y la cama
en la que se acuesta el cansancio de todas las vidas
y hay multitudes repantingadas en la tumbona del tedio
esperando unicamente la tragedia
de la próxima edición.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Improviso para fogo e armistício...

A vida nunca sai da toca
para ser caçada
mais depressa
enferruja a arma
ao caçador
nenhuma fábula
cabe no enredo da caça
nenhuma moral
nenhuma verdade.

Ademar
30.04.2008


Improvisación para fuego y armisticio...

La vida nunca sale de la madriguera
para ser cazada
antes
se le oxida el arma
al cazador
ninguna fábula
cabe en el enredo de la caza
ninguna moral
ninguna verdad.

Improviso sobre um azulejo...













Uma criança perguntou-me hoje
se a felicidade podia ser estampada
num azulejo
estampada não
respondi
tecida apenas
a fonte da felicidade
está no tear
(expliquei-lhe o que era um tear)
e na inteligência das mãos
que distinguem e entrelaçam os fios
disse-me que entendera.

Ademar
29.04.2008


Improvisación sobre un azulejo...

Un niño me preguntó hoy
si la felicidad se podía estampar
en un azulejo
estampar no
respondí
tejida nada más
la fuente de la felicidad
está en el telar
(le expliqué qué era un telar)
y en la inteligencia de las manos
que distinguen y entrelazan los hilos
me dijo que lo había entendido.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Improviso ele mesmo excêntrico...

Vivo de menos
para escrever de mais
há uma vida nas palavras
que só cabe nas palavras
uma vida que fosse
todas as vidas
de que nada ficasse por contar
ou por dizer
no horizonte das palavras
não há destinos excêntricos
todas as personagens são reais.

Ademar
28.04.2008


Improvisación de por sí excéntrica...

Vivo de menos
para escribir de más
hay una vida en las palabras
que solo cabe en las palabras
una vida que fuera
todas las vidas
de la que nada quedara por contar
o por decir
en el horizonte de las palabras
no hay destinos excéntricos
todos los personajes son reales.

Improviso concêntrico...

Renuncio à geometria
das certezas da alma
todas as formas têm um desleixo
de cores e de sons e de sentidos
que me incompleta
percebo mais de desterros
do que de multidões
e nunca espero respostas
da eternidade
senão intuições.

Ademar
27.04.2008


Improvisación concéntrica...

Renuncio a la geometría
de las certezas del alma
todas las formas tienen una dejadez
de colores y de sonidos y de sentidos
que me incompleta
entiendo más de destierros
que de multitudes
y nunca espero respuestas
de la eternidad
sino intuiciones.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Improviso para índice do poeta...

Existo para pouco
tirando naturalmente para o que me pagam
ouvir Bach
e colher improvisos no espelho das noites
como quem
de olhos vendados
colhesse rosas num canteiro de acácias
é quase tudo falso ou redundante
no que escrevo
menos a vida e a morte
e o sangue das palavras
não tenho resposta para perguntas fabulosas
nem sei como se fotografa o reverso do silêncio
nas costas da insónia.

Ademar
26.04.2008


Improvisación para índice del poeta...

Existo para poco
quitando naturalmente para aquello por lo que me pagan
oír a Bach
y coger improvisaciónes en el espejo de las noches
como quien
de ojos vendados
cogiera rosas en un parterre de acacias
es casi todo falso o redundante
en lo que escribo
menos la vida y la muerte
y la sangre de las palabras
no tengo respuesta para preguntas fabulosas
ni sé cómo se fotografía el revés del silencio
en la espalda del insomnio.

Improviso para abençoar o paradigma...

A inteligência artificial tem as suas vantagens
senhora
coloca-se nela
tudo o que se quer
a aula planificada
a paixão pela história
e até pela gramática
a calculadora mental
e a crítica da razão pura
e a disciplina claro
a obediência silenciosa e reverente
sem a qual
não há escola nem aprendizagem
e quando toca a campainha senhora
para o turno da ensinança
é só carregar na tecla
e tudo volta a engrenar
a inteligência artificial tem as suas vantagens
senhora
até dispensa a democracia
até dispensa a liberdade.

Ademar
25.04.2008


Improvisación para bendecir el paradigma...

La inteligencia artificial tiene sus ventajas
señora
se coloca en ella
todo lo que se quiera
la clase planificada
la pasión por la historia
y hasta por la gramática
la calculadora mental
y la crítica de la razón pura
y la disciplina claro
la obediencia silenciosa y reverente
sin la cual
no hay escuela ni aprendizaje
y cuando toca el timbre señora
el turno de la enseñanza
sólo tiene que pulsar la tecla
y todo vuelve a engranarse
la inteligencia artificial tiene sus ventajas
señora
hasta prescinde de la democracia
hasta prescinde de la libertad.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Improviso sobre um tema de Ian Curtis...

Todas as manhãs visto
a mesma pele
e saio à rua
com a mesma pele
para que ninguém me reconheça.

Ademar
25.04.2008


Improvisación sobre un tema de Ian Curtis...

Todas las mañanas me pongo
la misma piel
y salgo a la calle
con la misma piel
para que nadie me reconozca.

Improviso para invalidar o Génesis...

Não sei se falta um terceiro género
ou um terceiro sexo
sei apenas que deus abandalhou
a obra da criação
ao sétimo dia ou um pouco antes
deus ou a selecção natural
por melhor que encaixem
pela frente ou por trás
macho e fêmea nunca esgotam
o espantoso roteiro das possibilidades.

Ademar
24.04.2008


Improvisación para invalidar el Génesis...

No sé si falta un tercer género
o un tercer sexo
sé solo que dios envileció
la obra de la creación
al séptimo día o un poco antes
dios o la selección natural
por muy bien que encajen
por delante o por detrás
macho y hembra nunca agotan
el asombroso guión de las posibilidades.